quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

«Reflexão à Margem da Literatura Vieirina» | Rui Lopo

Padre António Vieira

"António Quadros é um dos intérpretes da nossa cultura que mais pautou o seu labor por uma fixação esquemática de autores e correntes de acordo com categorias que lhes são exteriores, em esquemas determinantes e integradores, isto é: genealogias e linhagens. Assim, segundo o autor de Introdução à Filosofia da História, o providencialismo é a grande tradição de interpretação da história portuguesa, radicada em Paulo Orósio. Quadros detecta-a não só nas filosofias da história de nítido recorte teológico e de assumida radicação providencial, augustiniana e orosiana, mas também nos modos de pensar que classifica como afirmativamente imanentistas, onde se inscreveriam diversos modos de pensar a história portuguesa de tipo igualmente teleológico, como que laicizando as escatologias e as teleologias providenciais. (...) Para Quadros, o problema de Vieira não é a assunção de uma escatologia, de um providencialismo, ou de uma teleologia lusocêntrica, a questão é perspectivar o Quinto Império não como uma verdade revelada mas como uma verdade fáctica, evidente e subsistente: uma verdade em si mesma fundada. 

Confundiu Vieira o possível com o provável, o tempo real com o ideal, a realidade com o seu eschaton ou fim último, o profético com o divino. A sua admirável retórica, a sua prosa riquíssima onde surgem aliás numerosos acertos e profundas intuições implica uma sofística que não podemos ocultar. (António Quadros, Introdução à Filosofia da História, Lisboa, Ed. Verbo, 1982)

Quadros remete para a liberdade divina e para a liberdade humana como instâncias que deverão relativizar a pretensão humana a conhecer e racionalizar o exacto conteúdo dos tempos futuros, preservando todavia o profetismo, o providencialismo e o pensamento de tipo teleológico e mesmo lusocêntrico. Aliás, a crítica que Quadros faz a Vieira é o preço a pagar pela manutenção do seu estatuto como profeta e arauto do Quinto Império e da necessária mediação de Portugal para o advento do Reino de Cristo na Terra Consumado. 

Rui Lopo
Texto apresentado no Congresso internacional 
Padre António Vieira. Ver, Ouvir, Falar: O Grande Teatro do Mundo
18-21 Novembro 2008, Lisboa, disponível também aqui.

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