terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Paredes meias


"(...) De que é afinal precursor Camilo? Antes de mais nada, de uma análise das paixões da alma que, se corresponde a uma fenomenologia muito portuguesa, na fidelidade ao mito de Tristão e Isolda, que já nos vem de longe e se nos renovou com a paixão de Pedro e Inês, nem por isso deixa de corresponder a uma das linhas dominantes da psicologia contemporânea. Camilo afasta-se inteiramente do racionalismo, do iluminismo, da ligeireza libertina do século VXIII, pois que, para ele, o excesso sentimental caracteriza a acção criadora dos homens. Ele é o expressor e até biograficamente o representante de tal excesso. Isto tem sido valorado negativamente e jogado como provra do seu anacronismo. Simplesmente, nós sabemos hoje que a psicologia procura a situação-limite, paredes-meias com a loucura, para determinar a fundura da psique. Camilo, muito mais do que Eça, aproxima-se da psicologia das profundezas, tocando e expressando o inconsciente colectivo da tipologia humana de que povoou os seus livros. (...) Camilo tudo ousou, talvez porque a sua mestria estilística tudo permitia: as interferências pessoais; as digressões despropositadas; as reflexões irónicas ou apaixonadas surgidas por associação de ideias..."


António Quadros
Introdução à estrutura do Universo Camiliano
(Porto, 1990)

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