quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Reis Pereira não quer ser discípulo senão de si mesmo


"Em torno da poderosa personalidade de Leonardo Coimbra gravitavam eles [professores e alunos]; e nunca mais deixaram de o admirar, e à sua obra, e sempre ficaram gratos à memória do Mestre que neles soubera atear o fogo do Espírito. Tanto mais é isto notável, porquanto, não obstante certos traços comuns, vieram depois a afirmar personalidades tão individualizadas e diferentes como as de José Marinho, Álvaro Ribeiro, Delfim Santos, Casais Monteiro, Sant'Anna Dionísio, etc. Por sua vez criaram estes discípulos ou continuadores independentes, originais. Nem o prestígio de Leonardo nem a perspectiva da camaradagem com estes meus amigos me desviaram da opção por Coimbra. De resto, [...] a personalidade de Leonardo Coimbra nunca se me impôs tão poderosamente como se impunha aos meus amigos. Teria eu lucrado se tivesse ficado no Porto? Teria lucrado em ter ido para Coimbra? Em que medida se ressentiram, ou ressentiriam, a minha vida e a minha criação literária de uma ou outra opção?

[...] Uma coisa, porém, sei de certeza: Que nunca me arrependi de ter ido para Coimbra. Lá ganhei novos amigos. De lá saíu a presença. Lá passei pelo menos alguns dos anos mais felizes da minha vida. E creio que a minha criação literária lucrou com a ida para Coimbra, pois lá achei elementos para um fecundo ambiente literário que não acharia no Porto. [...]

Uma vez, José Marinho, com quem eu mantinha um estreito convívio que me foi muito fecundo, pois me ajudou a desenvolver-me sem me alterar, ofereceu-me esse belo livro injustamente mal conhecido que é A Alegria, a Dor e a Graça com a seguinte dedicatória: Ao Reis Pereira (eu ainda não era o José Régio) do Mestre para o futuro discípulo. E eu escrevi ao lado, a lápis, esta coisa ingénua e pretensiosa: O Reis Pereira não quer ser discípulo senão de si mesmo."
José Régio
Confissão dum Homem Religioso (1971)

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